sábado, 7 de janeiro de 2012

Pingo Doce: "venha cá!"

Fui um cliente mais ou menos assíduo das lojas Pingo Doce. Nunca o fui por qualquer convicção específica, do género “os seus produtos são mais frescos” ou “poupa-se mais comprando nas suas lojas”. Confesso até que me irritam os spots publicitários em que se canta em coro uma cantilena que nos promete o melhor dos mundos e termina com um “venha cá” salvífico. A minha fidelidade é mais do tipo preguiçoso. O Pingo Doce está ali mesmo à mão, que é como quem diz “é ali mesmo ao virar da esquina”. Mesmo quando rebentou há dias o escândalo da fuga aos impostos do grupo Jerónimo Martins para o paraíso fiscal da Holanda, mantive-me serenamente fiel à minha preguiça crónica. Não sintonizei de pronto a onda de indignação patriótica, nem comunguei do desejo de punir os traidores e de aderir à ideia do boicote aos negócios daquele grupo económico. Sou até capaz de compreender as razões do empresário, à luz da lógica da globalização económica de rosto capitalista. Contrariando a tese de Max Weber, o rosto do capitalismo actual não tem ética. Também eu, se me concedessem a hipótese de escolher, pagaria os meus impostos num outro país de horizontes económicos mais promissores. E não me importaria com os nomes que me chamassem.
No entanto, hoje de manhã tudo mudou. Ao chegar à entrada do Pingo Doce perto da minha casa, uma menina fardada a condizer pôs-me nas mãos um folheto com o título “Esclarecimento aos nossos clientes”. Li-o num ápice. De repente, deu-me uma vontade danada de mandar às urtigas aquela fidelidade consolidada por um longo hábito tecido de preguiças mesquinhas. Disse de mim para comigo “Shit! Estou esclarecido. e dei corda aos sapatos. Talvez um dia venha a esquecer este episódio e volte lá.

José M.