quinta-feira, 31 de maio de 2012

Recordando Martin Hannett (1948-1991)


Músico e produtor britânico, para além de elemento fundamental na lendária Factory Records, Martin Hannett foi um visionário que revolucionou a música dos anos 80. Trabalhou com várias bandas, mas o seu génio ficará para sempre associado aos Joy Division, de quem produziu dois álbuns: Unknown Pleasures e Closer.





João M

domingo, 27 de maio de 2012

Du temps perdu au temps retrouvé com Marcel Proust

Comecei a ler Em busca do tempo perdido. Para ser mais preciso, retomei a leitura do primeiro volume desta obra maior de Marcel Proust, Do lado de Swann, que abandonei há meia dúzia de anos quando ainda não tinha atingido a centésima página. Lembro-me então de ter pensado que, por se tratar de uma obra longa – mais de três mil páginas – a necessitar de ruminação lenta, o melhor seria guardá-la para o Verão, estação mais propícia a empreendimentos desta natureza, que exigem fôlego de maratonista. Passou o Verão e outros, ciclicamente, passou-se o tempo, e nunca mais lhe peguei. Volta e meia deparava-me com a sua lombada aprumada na estante reservada aos clássicos que ainda um dia haveria de ler, ponderando distraidamente a hipótese de cumprir esse desígnio, mas logo a enormidade da empreitada me fazia abandoná-la, adiando sine die a tarefa que adivinhava hercúlea.             
Foi o facto de ter assistido, na biblioteca do Liceu Camões, há dias, a uma aula aberta de Clássicos da Literatura, da iniciativa da professora Cristina Duarte, subordinada ao tema À la recherche du temps perdu, para a qual convidou Pedro Tamen, seu tradutor, foi esse acontecimento que me levou a retirar de novo o livro da prateleira, a abri-lo na primeira página, depois respirar fundo, e ler “Durante muito tempo fui para a cama cedo. Por vezes,…”, continuando página após página até os olhos me pedirem repouso.
O poeta falou durante quase sessenta minutos de Marcel Proust. Falou da sua vida e de alguns detalhes significativos da tradução dessa obra, que lhe consumiu três anos de uma lenta e exaltante agonia, ao ponto de, confidenciou, chegar a partilhar com as personagens confidências e inquietações que nem com os familiares partilhava. Revelou também os tormentos penados em busca da palavra exacta, as insónias que lhe tomavam conta das noites e os sonhos povoados por essas personas que entram e saem do romance sem se despedirem, voltando a reentrar um milhar ou mais de páginas adiante, sonhos que muitas vezes o conduziam à solução dos problemas prosaicos que a tradução honesta sempre coloca.     
Falou sempre com voz cadenciada, respeitando os ritmos de uma língua que aprendeu a manusear com mestria única no demorado ofício de traduzir obras alheias ou de verter em versos vozes que se transfiguram em poemas. Duas coisas disse que os ouvintes retiveram mais do quaisquer outras, pelo menos a julgar pelo que depois se comentou na sua ausência: a primeira, óbvia – que o tempo é o tema do romance; a segunda, que a leitura de uma obra como À la recherche du temps perdu transforma de tal modo o nosso ethos pessoal, que depois de se a ler, não se é o mesmo.
No final da palestra, aos aplausos oferecidos seguiram-se as perguntas. Timidamente uns, mais afoitos outros, alguns alunos interrogaram-no. Quiseram saber se o Marcel personagem se identifica com o Marcel autor, se a narrada dependência materna revela a dependência real. Perguntaram coisas do estilo, da técnica narrativa. Percebia-se que tinham preparado bem a lição. O poeta esclareceu quanto pode, solícito e benevolente. E eu então lembrei-me que seria oportuno questioná-lo acerca do Proust leitor. Sublinhei que, em se tratando de um romance pensado e escrito numa época que viu aparecer Einstein e a sua interpretação da relatividade espácio-temporal; que viu serem publicados livros cuja temática do tempo surgia explicitada nos seus títulos, designadamente de filósofos como Henri Bergson – Essais sur les données immédiates de la conscience (1889) – e Edmund Husserl – A consciência íntima do tempo (1905); que viu serem dados à estampa os romances de Virgínia Woolf e de James Joyce, romancistas de certo modo prisioneiros de uma estética narrativa da corrente de consciência; enfim, se as leituras de Proust não poderiam de algum modo elucidar-nos sobre eventuais influências que possa ter sofrido a sua construção romanesca.    
Com a humildade dos homens verdadeiramente sábios afirmou que ignorava quase tudo dessa dimensão do Proust leitor, que suspeitava contudo que teria sido um leitor atento do filósofo francês, mas que sim, que o início do séc. XX marcou a fase mais empolgante da modernidade, a qual tem na consciência do tempo um dos seus leitmotivs principais, etc. 
Na minha vida de leitor e não só, como na de muitos outros, creio, é uma mistura de acaso e de necessidade que determina os livros que se leem, de fio-a-pavio uns, aos solavancos outros, ou os livros que se abandonam como cães sarnosos à beira da estrada. Neste caso, foi um acaso feliz, caldeado com a consciência infeliz de uma necessidade há muito tempo adiada, a que me haveria de reconduzir du temps perdu au temps retrouvé com Marcel Proust.

José M.

quinta-feira, 24 de maio de 2012


A educação dos simples.



Num mundo cada vez mais complexo e global. Num país em que do Presidente da República aos empresários todos falam da inovação como elemento fundamental para o nosso futuro colectivo, o Ministério da Educação e Ciência resolve tirar um coelho da cartola: Ensino profissional com áreas prioritárias, a saber, caça, pesca e agricultura. Penso que poderíamos ter ido mais além e gizar um perfil educativo de excelência a partir, por exemplo,  dos seguintes cursos: Curso profissional de Telegrafista; Curso profissional de Datilógrafo e Curso Profissional de Amolador de Facas. Isto, meus senhores, é rasgar horizontes e ter uma visão de futuro. Estamos bem!

João M.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Da fenomenologia da crise ou o ócio como oportunidade de… exclusão social

A palavra crise entrou, definitivamente, do léxico corrente. Toda a gente fala da crise … almoça crise, janta crise e dorme com a crise. Tornou-se uma inevitabilidade. Muitas são as evidências disso, umas mais óbvias que outras. Duas notícias recentes evidenciam o modo como, nestes tempos, o fenómeno da crise é vivido pelos portugueses. Sobremaneira importa realçar o sentido, necessariamente diverso, que os seus diferentes actores lhe conferem. Para isso basta cruzar as duas notícias, cada qual a apontar para sectores opostos da soberania democrática e retirar desse cruzamento as justas ilações. Avancemos para a primeira.   
Pedro Passos Coelho, o representante máximo da soberania política logo após o Presidente da República, lançou recentemente um desafio aos desempregados deste país: encarem a crise como uma «oportunidade para mudar de vida». Para além do mal-estar que tal afirmação provocou no seio da oposição, que logo aproveitou para dela retirar os dividendos políticos possíveis, ela atingiu em cheio a dignidade pessoal dos milhares de pessoas (há quem garanta que já ultrapassam o milhão) que engrossam já as fileiras dos verdadeiros excluídos da sociedade. Pode o primeiro-ministro apregoar que falar verdade aos portugueses é a sua verdadeira missão como político, pretendendo com isso escudar-se na imagem de um José Sócrates rotulado de Pinóquio e de campeão das “inverdades”, das trapalhadas e das promessas não cumpridas. Com o tempo de nada lhe valerá. O kairós – o sentido da oportunidade – ensinaram-no os sofistas como Górgias, é a alma de um político. A inoportunidade de Pedro Passos Coelho foi, neste caso, gritante, como aliás em outras circunstâncias similares em que não só se mostrou insensível perante o drama daqueles para quem a situação de desempregados lhes devolve o significado de párias e de inúteis (recorde-se o episódio ainda recente em que aconselhou os jovem a emigrar) como demonstrou que não tem soluções para responder aos desafios mais prementes da actual política nacional. Incinerando, deste modo, a alma de quase um milhão de compatriotas, a acreditar nos números oficiais do desemprego, parece condenado a perder a sua.
Como interpretar as palavras do primeiro-ministro? Que sentido político retirar delas? Independentemente da inegável afronta que elas constituem para os visados, associar desemprego forçado com oportunidade apenas pode significar uma coisa: a existência de uma leitura ideológica – claramente assumida e patente na reiteração do dito, por parte do primeiro-ministro – do infortúnio que constitui a situação de desemprego. A ideologia ultraliberal interpreta o desemprego como uma oportunidade para o desempregado, uma oportunidade para este mudar de vida. Que cenário vislumbra ele com a concretização desta mudança? Tornar-se competitivo, isto é, tornar-se empreendedor, fazendo uso do seu engenho ou da sua capacidade empresarial e montar um negócio, criando postos de trabalho, ou então aceitar salários ao nível dos praticados em países como a China ou a Índia. Numa frase: sucesso ou miséria. De qualquer modo, a permanência na situação de desemprego assume, para a ideologia neoliberal, a ideia de um fracasso pessoal de que o único culpado é o desempregado. É por sua exclusiva responsabilidade que a mudança de vida não se concretiza. Quanto ao Estado, este não deve interferir em questões que apenas dizem respeito aos mercados e aos indivíduos, questões que têm que ver com a liberdade, lavando o governo as sua mãos como Pilatos. Em razão disso, decide abandonar os desempregados à sua sorte, que se traduz na lotaria do darwinismo social cujo espelho é este capitalismo selvagem de que são vítimas. A par do ferrete da “exclusão social”, mácula sem redenção num mundo que se guia pelos imperativos do consumo – em que o valor da existência mede-se pelo valor do consumo – ganha o desempregado um ócio forçado. Esse ócio – como afirmou Eduardo Lourenço em O Esplendor do Caos -, filho mimado do esplendor liberal, que nos asseguraria a todos uma vida de permanente gozo virtual, de que a droga é a grosseira antecipação, não põe termo, como nas utopias, ao famoso “estado de necessidade”. É precisamente o contrário, a prisão perfeita onde ninguém nos encerra, feita unicamente da nossa diferença com aquela “humanidade-outra”, que detém – ou pensa deter – o poder de separar os que têm direito “a trabalhar” dos que serão – ou já são – condenados ao gozo demente do ócio obrigatório. Só que esta nova espécie de ócio se chama desemprego.”  
Passemos à segunda notícia que deu conta de um facto curioso ocorrido no santuário de Fátima, no sábado passado. Nestes tempos de crise, as velas vendidas e queimadas na tradicional procissão nocturna ascendeu, em peso bruto, às dezanove toneladas, oito das quais até à hora de almoço, quando em anos anteriores na parte da manhã eram derretidas apenas duas toneladas. Não se tratando de um argumento de peso para fazer valer a ideia de um acréscimo de fiéis ao catolicismo, desmentido por estudos e relatórios que os media a propósito referiram, somente pode significar outra coisa bem mais prosaica, a saber, que o povo entregou nas mãos de Nossa Senhora de Fátima, isto é, à sua fé na providência divina, a solução dos seus problemas terrenos, ao invés de a entregar nas mãos daqueles em quem um dia terá delegado a esperança num amanhã mais risonho. Substituir assim os políticos por Deus revela, inequivocamente, o sentido da descrença generalizada na representatividade política.       
Destas duas notícias resulta uma espécie de fenomenologia da crise, que nos mostra, entre outras coisas, que está em causa o problema da representação democrática. Quando os políticos, em acções e palavras, se apartam do povo, e quando simultaneamente os cidadãos não se reconhecem quer nas decisões quer nos discursos políticos, ou não se veem representados pelos políticos que elegeram, o que vai dar ao mesmo, é o próprio paradigma da democracia representativa que está em crise. As consequências estão à vista. Em Portugal, o afluxo de gente ao Santuário de Fátima, impelida por promessas em que apenas a sua fé lhes confere algum crédito; noutros países da Europa, a emergência de partidos políticos de configuração neonazi, que rompem com a matriz democrática decadente que lhes deu alento e razão de existir. Por que caminhos nos conduzirão amanhã os nossos passos hesitantes?
José M.

domingo, 15 de abril de 2012

Das palavras e das coisas


É costume associarmos a palavra fundamentalismo a formas de governo teocráticas e a países em que predomina uma visão conservadora das crenças religiosas, assim como à tendência para orientar os crentes no sentido de um regresso aos dogmas considerados como fundamentais ou originários. O fundamentalismo islâmico é, hoje por hoje, o exemplo que nos vem imediatamente à cabeça. No entanto, atitudes fundamentalistas não são exclusivas de assuntos religiosos nem de governos ditos autocráticos e iliberais. Mesmos em países de governos classificados como democráticos e liberais, como é o caso do governo português, os tiques fundamentalistas podem tornar-se evidentes. 
O primeiro deles é sem dúvida o fundamentalismo do mercado. Impera no governo a crença de que os mercados – e não a política – constituem a solução para todos os nossos males. O regresso aos mercados transformou-se na ideia de paraíso que nos salvará do inferno em que, por culpa própria, entretanto vivemos. Inevitavelmente, teremos de passar pelo purgatório de um programa de empobrecimento (in)voluntário – em curso - e, paralelamente, por um processo de emagrecimento do estado. Tudo isto à revelia da vontade popular. Apenas porque a Troika, a mando dos mercados, dixit. Depois disso, os mercados farão o seu trabalho. Virão charters de investidores estrangeiros, que produzirão tanta riqueza que sobejará dos seus bolsos e escorrerá até aos dos mais pobres.
Outro tique fundamentalista pode ser constatado nas últimas medidas que o ministro da saúde quer impor aos cidadãos que sofrem da doença do tabagismo. Trata-se simplesmente de proibir aos fumadores o seu vício, no espaço privado dos seus automóveis, quando acompanhados de crianças. O problema não está na possibilidade de fiscalizar ou não o interdito. Está, em primeiro lugar, no abuso do poder do estado face à liberdade do indivíduo; em segundo lugar, encontra-se na sobredeterminação do privado pelo público; por último, na imposição ao cidadão comum da ideia de bem, não o deixando escolher o que para si é uma “vida boa”. Tudo isto poderia ser compreensível, não se desse o caso de estarmos perante um governo que se diz liberal ao mesmo tempo que pretende legislar contra os princípios basilares do liberalismo.                    
O cerne do fundamentalismo assenta numa crença que, à força da sua repetição, tem pretensões de exclusividade à posse da verdade. Essa crença assume, no mundo ocidental e nos últimos trinta anos, uma feição económica. Oriunda das escolas económicas austríaca e de Chicago (cujos gurus foram Friedrich Hayek Milton Friedman) corre mundo, globaliza-se e faz doutrina. Ela exprime-me hoje na mais perigosa de todas as ideias, em termos políticos: não há alternativa!

José M

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Franklin Delano Roosevelt, I welcome their hatred.
Madison Square Garden, 1936


Na época da total falência da política, que as grandes figuras do passado nos possam inspirar.



João M

terça-feira, 27 de março de 2012

Sem música o mundo seria infinitamente mais pobre.

John Dowland, Flow my tears.



João M